Na corda bamba: Contribuições e considerações do e para o combate anárquico

2020
Sommaire

Texte d'origine en espagnol
En la cuerda floja: Aportes y consideraciones desde y para el combate anárquico
Francisco Solar
2020
publicacionrefractario.wordpress.com

Traduction portuguaise
No Trace Project

Este texto pretende ser um contribuição para o desenvolvimento e aprofundamento do combate anárquico informal, tendo em consideração os avanços tecnológicos cada vez mais especializados no controle e vigilância, da população em geral e especialmente daqueles que se aventuram a rebelar-se contra o estabelecido.

Nasce também da necessidade de desferir golpes mais duros e contínuos no poder que gerem fissuras que podem se abrir.

Ninguém se surpreende com o aumento acelerado da vigilância realizada por câmaras de segurança, com os múltiplos cartões que temos de utilizar para fazer quase tudo e com o incipiente mas rápido aumento da utilização de drones de vigilância. Se somarmos a isso o controle que é se tem de celulares, o quadro fica muito mais complicado. Essa engrenagem tecnológica, estando interligada, assume o controle quase absoluto da cidade, nosso campo de batalha. O cruzamento de imagens, de tempos e a utilização deste ou daquele meio, seja transporte ou outro, torna possível detectar e registar os movimentos de qualquer indivíduo. A cidade inteira está sob a lupa, não é exageiro dizer que este mundo é praticamente uma prisão de segurança máxima a céu aberto. E se levarmos em conta a presença policial e agora militar em cada esquina, o cenário torna-se mais limitado e controlado.

Ora, se cada indivíduo da sociedade for monitorado pela referida interligação de vigilância, para aqueles que se declaram inimigos desta sociedade e agem em conformidade, o controle aumenta consideravelmente, a situação fica ainda mais difícil se pensarmos em pessoas que já são conhecidas da repressão, por terem sido presas, por estarem vinculadas a espaços de confronto ou por diversos outros motivos. A margem para a ação transgressora se estreita e faz com que a decisão de partir para o ataque se torne uma corda bamba na qual se está constantemente à beira da queda. O que fazer para driblar golpes repressivos? Ou ainda, o que fazer para dificultar o trabalho de captura do aparato policial?

Opções e decisões

Um dos aspectos da crítica que a tendência informal do anarquismo faz aos grupos político-militares de esquerda é o seu forte aparatismo que os leva, entre outras coisas, a optar pela clandestinidade como estratégia de luta. Esta situação clandestina traria consigo uma divisão acentuada de funções que estaria intimamente ligada à militarização que estes grupos apresentam. A clandestinidade assim entendida, seria fundamental no mecanismo de uma organização que divide seus militantes em legais e ilegais, sendo estes últimos a ala oculta que seria responsável pela execução de ações e o primeiro rosto público destinado a gerar redes de apoio, logística e propaganda, entre outras tarefas. A vida na clandestinidade seria caracterizada por ser extremamente limitada aos aspectos operacionais; uma dinâmica de combate permanente que, segundo os seus críticos, deixaria de lado aspectos tão essenciais e enriquecedores como a necessária troca de experiências, a partilha de visões sobre a luta ou também a qualificação em áreas que, embora não se concentrem no combate armado, são indispensáveis na luta pela libertação total. As extensas conversas onde se discutem diversos temas, que certamente ampliam a visão, são muito difíceis ou impossíveis de ocorrer de forma clandestina, o que explica os momentos decisivos ou experiências que se perdem ao estar nessa situação. Tentar desvincular-se ou afastar-se da lógica do consumo (com isto não me refiro ao sonho das “bolhas de liberdade”) também é difícil de realizar de forma clandestina, pois exige seguir caminhos de cidadão se o que se pretende é passar despercebido. Essas e muitas outras são as restrições que acompanham uma vida que tem a solidão como elemento principal.

Agora, quero deixar claro que me refiro a uma clandestinidade na e para a guerra, e não àquela que, por mais válida e legítima que seja, se dedica a fugir do inimigo e, dentro disso, levar uma vida tranquila, nunca indo para a ofensiva. Estou falando de uma opção pela clandestinidade — embora também haja quem seja forçado a esta situação — como estratégia de luta, como estratégia para desferir golpes fortes e constantes no poder.

Outra crítica que comumente se faz a estes grupos e organizações que optam por este caminho é que acabam por dedicar todo o seu trabalho político à manutenção da “estrutura clandestina” que requer muitos recursos de todos os tipos para ser resolvida. Assim, ficam de lado tarefas essenciais como a propaganda ou a geração de redes de apoio à manutenção da clandestinidade, que, claramente, acabam por ser contraproducentes e fortalecem o militarismo.

Exemplos a se considerar

Não só as organizações político-militares de esquerda optaram pela clandestinidade para enfrentar o poder. Grupos anarquistas e autónomos também recorreram a esta estratégia, experiências que são necessárias ao se considerar esta opção.

Uma das experiências mais notáveis neste sentido foi a do MIL (Movimento de Libertação Ibérica) que lutou clandestinamente contra a ditadura franquista no início dos anos 70 na Catalunha. Evidentemente, a bota sufocante de Franco foi decisiva para que esse grupo tomasse essa opção, mas os seus membros, mesmo sem serem identificados pelo aparelho repressivo, passaram automaticamente à clandestinidade assim que o grupo foi formado ou ao aderirem a ele. A particularidade da MIL foi, sem dúvida, a sua extensa produção teórica, que soube complementar bem com a luta armada. A constante elaboração de textos e reflexões, inclusive criando o Editorial “Mayo del 37,” mostra que a propaganda e a geração de reflexões políticas eram uma das principais preocupações da MIL, ainda mais do que a luta armada.

Caminho semelhante foi seguido pelos Grupos Autônomos que atuaram principalmente em Barcelona, Valência e Madrid paralelamente e posteriormente ao MIL, durante a transição democrática da Espanha. Quando os indivíduos tomam a decisão de formar um desses grupos, eles já devem ter armas, contato com um esconderijo e documentação falsa para agir. Segundo vários relatos, esta situação de clandestinidade acabou por transformar a sua prática política basicamente em expropriações bancárias para financiar a clandestinidade, o que os impediu de expandir redes de apoio, entre outros aspectos. Vale ressaltar que o aparato repressivo do Estado espanhol — a Brigada Político Social — permaneceu intacto na transição democrática, o que poderia ter determinado que os Grupos Autônomos do final dos anos 70 e início dos anos 60 continuassem com a mesma dinâmica dos grupos que operavam na ditadura.

A experiência da Conspiração de Células de Fogo (CCF) na Grécia também é necessária para de ser considerada na medida em que se trata de um grupo de ação anarquista informal que nos últimos anos optou pela clandestinidade. Não tenho certeza se esta decisão foi determinada pela identificação prévia dos seus membros ou de algum deles pelo aparelho repressivo. Mas o que é fato, é que os seus ataques eram constantes, chegando a várias dezenas num ano, o que, talvez, reflita para uma vantagem da clandestinidade.

Outro grupo anarquista que realizou a luta armada no mesmo território foi a “Luta Revolucionária,” que, empurrada pela perseguição policial, passou à clandestinidade e nessa situação desferiu duros e contundentes golpes no poder. O caso da “Luta Revolucionária” é um exemplo eviente de clandestinidade na guerra, onde as suas ações em grande escala colocam em xeque o sistema como um todo, de acordo com uma das decisões judiciais contra ela.

Todos os grupos mencionados tinham a particularidade de não se constituirem como estruturas rígidas e com acentuada divisão de funções, como apresentam as organizações político-militares de esquerda. A sua opção pela luta clandestina foi uma decisão livremente assumida tendo em conta os custos que isso implicava. A sua prática política foi dedicada à luta armada; alguns realizando ações esporádicas em grande escala e outros ataques incessantes que não deram trégua ao poder. Contudo, não dispensaram a reflexão, nem a divulgação deste, sendo uma contribuição para o desenvolvimento qualitativo das lutas anárquicas, demonstrado factivelmente uma coerência entre o que se propõe e o que se pratica.

Sobre a necessidade de bater forte

O ataque a tudo o que está estabelecido está plenamente legitimado desde o momento em que existem o Estado e o capitalismo, e isso, creio, é partilhado pela tendência anárquica informal. Ora, a necessidade de estas ações assumirem maior abrangência é algo que foi levantado em diversas ocasiões, mas que teve pouca materialização. Ataques que fazem tremer os poderosos, que fazem o empresário que seca um rio para irrigar sua plantação de abacate saber que seu ato trará consequências, tornam-se essenciais numa perspectiva anárquica de combate.

Ações que demonstram força e determinação, podendo ser reproduzidos por qualquer indivíduo cujo horizonte seja a liberdade. Seja para acompanhar, ampliar e aprofundar um contexto de revolta, para tentar gerar fissuras no que se impõe numa situação de “normalidade,” ou como ato de vingança, é necessário dar um salto qualitativo no combate anárquico informal que nos permite abrir possibilidades que ainda não conhecemos. Junto com isso, se quisermos que nossas ações tenham um impacto maior, elas devem necessariamente ser relativamente frequentes porque a memória é cada vez mais frágil e de curto prazo, portanto, se nossos golpes forem muito esporádicos, correm o risco de se tornarem “fatos isolados” ou depoimentos. Como alguém disse: “Quando os duros golpes são repetidos continuamente, a poesia começa.”

Então, é possível realizar ataques complexos e de grande porte com considerável frequência enquanto se vive em uma situação legal onde o inimigo conhece seus passos e onde encontrá-lo? A clandestinidade facilitaria a realização de ações desse tipo?

Palavras finais

“Ocorre uma ação contra o poder que de alguma forma alerta a normalidade, a polícia começa a trabalhar imediatamente e consegue indícios ou uma forte presunção de quem seria o indíviduo ou grupo responsável, porém não se sabe o seu paradeiro ou locais que frequentam ou com quem interagem.”

Este exemplo representa uma das vantagens que a opção clandestina traria. Dificultar o trabalho policial em termos de caça e captura. Neste ponto é necessário voltar à questão dos avanços tecnológicos em controle e vigilância. Como quase toda a cidade é monitorada, monitoramento que é aperfeiçoado a cada dia, qualquer erro na execução da ação, custa caro e se seus autores forem conhecidos da polícia, sua captura torna-se iminente. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os camaradas Alfredo Cospito e Nicola Gai quando atiraram no empresário Adinolfi. A clandestinidade faria, de alguma forma, com que a tecnologia de vigilância perdesse parcialmente a sua eficácia porque, quando os perpetradores fossem encontrados, já estariam no escuro, a conspirar para o próximo ataque. A vigilância policial permanente exercida sobre conhecidos inimigos do poder deixaria de ter qualquer efeito, o que, sem dúvida, constitui mais uma vantagem da clandestinidade que permite uma mobilidade muito maior. O fato de haver múltiplos olhos observando restringe muito a capacidade de ação, sejam golpes esporádicos, e mais ainda, se tornarem recorrentes. A clandestinidade, então, facilitaria a realização de uma prática de ataque sistemático, bem como a geração de cumplicidade, uma vez que o trabalho político seria dedicado quase inteiramente à conspiração e à ação.

Mas é esse tipo de vida que realmente procuramos ou queremos? Podemos levar a cabo esta dinâmica sem cair num comportamento militarista e separatista? Sem dúvida, múltiplos aspectos essenciais da prática anárquica seriam deixados de lado ao optar pela clandestinidade. O questionamento permanente que se faz a nível individual e coletivo para tentar livrar-se de comportamentos autoritários e/ou cívicos é algo que seria difícil tendo em conta a dinâmica da clandestinidade que, como referido anteriormente, exige a adoção de comportamentos que muitas vezes não tem o propósito de passar despercebidos. A extensa e frutífera discussão e debate com colegas que tanto ajudam no nosso desenvolvimento individual também seria diminuída, uma vez que os contatos públicos seriam escassos ou praticamente inexistentes.

A par do exposto, a clandestinidade também corre o risco de criar hierarquias e relações verticais, transformando-nos naquilo que criticamos e atacamos, estabelecendo uma distância abismal entre meios e fins. A partir do momento em que isso acontece, estamos perdidos, passamos a utilizar métodos estranhos e contrários ao que propomos e, nesse caso, seria apropriado descartar a opção de passar à clandestinidade.

Portanto, como aliar uma prática sistemática e de ataque em larga escala com o necessário desenvolvimento individual nas mais diversas áreas?

Somente o avanço e a qualificação do combate anárquico informal e os caminhos que ele pode abrir nos darão respostas.

Francisco Solar
Seção de Segurança Máxima.
Prisão de Alta Segurança.
Setembro de 2020.