Historia
Texto original en inglés
Developing Action Capacity: A Path
2024
web.archive.org
Portuguese translation
No Trace Project
“Nós não somos especiais. Nossas habilidades não são técnicas especiais ou avançadas, e nossas ferramentas são simples de se adquirir. Se você lendo isso, você é capaz de fazer o que fazemos[1].”
Por mais que eu concorde com este sentimento, a leitora, mesmo se motivada, é deixada com muitas questões sobre como desenvolver tais capacidades para ação. O que exatamente é necessário para não ser pego executando ações comprometedoras como incêndios? Isso é especialmente importante no longo prazo: não ser pego por um único incêndio é uma coisa, mas ser capaz de executar ataques frente o aumento da atenção repressiva é outra bem diferente.
Para qualquer um que queira executar ações como essa, mas que ainda não está agindo, esbocei alguns passos que considero necessários para sustentar duros ataques contra a dominação (limitados ao tópico das considerações “operacionais”, isso é, adquirir habilidades). Esse breve esboço tem como objetivo te orientar e oferecer um “caminho de aprendizado” — cada passo conta com leituras recomendadas que se aprofundam mais adequadamente nos temas. Use to sistema operacional Tails para visitar esses links, ele roda através de um USB e não deixa rastros no seu computador. O que escrevi aqui não é de modo algum definitivo, e eu espero iniciar um diálogo sobre quaisquer aspectos operacionais que eu possa ter negligenciado, assim como qualquer coisa fora desse escopo que é importante para sustentar e intensificar a capacidade para ação.
Aprofundando laços
Para qualquer um que ainda não tenha um grupo de ação, decidir com quem agir é o primeiro obstáculo a ser superado. Eu prefiro agir em grupos de duas ou três pessoas; é mais fácil de manter um alto nível de confiança e agilidade com poucas pessoas. A maioria das ações não exige mais que três participantes, e quando for o caso, grupos de ação podem colaborar entre si. Eu prefiro não agir sozinho pois alguns aspectos das ações são menos arriscados quando há ao menos duas pessoas (por exemplo, ter alguém de olheiro).
No decidir com quem agir, há uma tensão entre flexibilidade e consistência. Agir em várias configurações diferentes te permite desenvolver confiança a experiências com mais pessoas, o que te torna mais resiliente frente a prisões, esgotamento, ou rachas internos. Por outro lado agir em configurações mais consistentes pode tornar mais fácil o desenvolvimento de uma alta capacidade para ação em um período de tempo mais curto.
Grupos de ação só se formam pois alguém tomou a iniciativa de os propor para ume camarada com e qual se quer aprofundar a confiança e a afinidade.
Afinidade
Decidir quem da sua rede você vai se aproximar deve ser baseado em um senso de afinidade, já que isso vai determinar as ações que o grupo vai decidir se focar. Afinidade significa compartilhar análises, descobertas através de conhecer um ao outro, o que leva a prospecções para ação. Isso significa saber que compartilham objetivos e agem de formas similares para alcançá-los.
A longo prazo a exploração e o aprofundamento da afinidade através de uma rede, para além de um grupo de ação específico, abre muitas mais possibilidades para a configuração de grupos de ação para se adaptarem ao longo do tempo, assim como a colaboração entre eles. Escolhi usar o termo “grupo de ação” no lugar de “grupo de afinidade” para enfatizar que afinidade existe em inúmeras constelações, cada uma com seu próprio potencial.
Leitura recomendada:
Confiança
Confiança é contextual — você talvez confie em alguém como um bom amigo, mas isso é diferente de confiar sua liberdade a essa pessoa. Decidir a quem se aproximar na sua rede, deveria se basear na confiança que essa pessoa pode viver com as possíveis consequências de seus atos sem trair seus camaradas, mesmo que isso signifique uma longa sentença de prisão. Confiança é qualitativa no sentido de que não pode ser reduzida a uma fórmula simplista. É baseada em um íntimo conhecimento que só pode surgir de experiências singulares dentro de um relacionamento. Entretanto, existem práticas válidas e estabelecidas para aprofundar confiança.
Leituras recomendadas:
- Confidence, Courage, Connection, Trust: A proposal for security culture.
- Stop Hunting Sheep: A Guide to Creating Safer Networks.
Preparando o terreno
Uma vez que você tenha encontrado duas ou três pessoas com quem você quer experimentar agir em conjunto, eu recomendo começar com ações que não tenham consequências especialmente sérias se você for pego, algo como quebrar algumas janelas. Isso te permite acessar se a configuração funciona bem, pratique quaisquer habilidades que sejam novas para es participantes, estabeleça abordagens operacionais e um bom “fluxo de trabalho” para as tarefas envolvidas, e desenvolver uma dinâmica interpessoal que leve em conta as necessidades de todes, tudo isso em um ambiente de relativamente baixo risco. Progressivamente aumentar a intensidade da ação também te dá a oportunidade de praticar se mover através e apesar do medo, então tomadas de decisões, comunicação, e execução em situações de alto stress podem acontecer sem entraves.
Segurança operacional
“Segurança operacional” significa práticas que te permitem cometer crimes e se safar. Eu recomendo que seu grupo de ação primeiro discuta cada um dos recursos em destaque no No Trace Project antes de fazer qualquer ação, em um local a céu aberto e sem nenhum dispositivo digital por perto. Muitas destas discussões funcionam bem para constelações de afinidades maiores do que seu grupo de ação. Isso vai tomar uma quantidade de tempo considerável, mas uma discussão profunda sobre esses tópicos vai oferecer uma base necessária. Não cometa o erro de assumir que todos já estão na mesma página. Essas conversas também vão ser importantes para discutir como você vai se preparar para qualquer repressão que pode resultar de suas ações.
Planejando ações
Com essa fundação construída, você agora está em uma boa posição para começar a planejar ações. Conforme ganha experiência, organizar e executar ações vai se tornar muito mais natural. O que inicialmente era exaustivo de se elaborar, eventualmente se torna instintivo. Esse é outro motivo pelo qual é uma boa ideia começar com ações que não são particularmente arriscadas.
Leituras recomendadas:
- How To Have A Fun Night To Forget: Para te dar uma visão geral sobre os paços que envolvem uma ação.
- Biblioteca de Riscos: Para te dar um modelo para planejar as medidas de segurança operacional para uma ação específica (por exemplo, que medidas de detecção de vigilância você vai tomar antes de ir para um encontro).
- Materiais: Tópico de ação direta.
Materializando seus sonhos
Antes de seu grupo de ação participar de qualquer ação que venha a ser mais intensamente investigada, é especialmente importante que vocês se tornem competentes em duas práticas de segurança operacional:
Protocolos de minimização de DNA
Protocolos de minimização de DNA são necessários pare evitar deixar evidência em cenas de crimes. Entretanto essas precauções não são perfeitas, então a ação deveria ser conduzida de forma que não deixe para trás nada que possa ter traços de DNA. Recomendo apende e praticar essa habilidade bem antes de precisar usá-la para ações de alto risco.
Leitura recomendada:
Detecção de vigilância
Se não houver evidência alguma nas cenas de crime, e você conseguiu estabelecer práticas que impedem vigilância digital individualizada de oferecer pistas, investigadores serão obrigados a usar vigilância física individualizada para te incriminar. O principal objetivo da vigilância física é vigiar o suspeito durante uma ação (como fizeram com Jeff Luers), e se isso não funcionar, vão tentar te vigiar enquanto se prepara para uma ação (comprando materiais, fazendo reconhecimento de terreno, etc.), tudo isso enquanto mapeando sua rede de contatos para encontrar mais suspeitos.
Detectar vigilância física é uma habilidade que exige muita prática, então recomendo que você comece a aprender bem antes de precisar usar para ações de alto risco. Se um dia você for alvo de uma investigação, essa é a única coisa que vai impedir a polícia de te seguir até uma ação ou preparação para ação.
Leitura recomendada:
Técnicas de ação
É claro, habilidades relacionadas a técnicas de ação também são importantes. Por exemplo, existem muitas formas de começar um incêndio. Algumas são melhor que outras, no que se trata de efetividade, mas sua abordagem deve estar sempre adaptada aos cenários específicos (alvo, rota de fuga, tempo de resposta estimado, etc.). Seja quais forem as técnicas que você usar, é importante se manter aberto à inovações e não se limitar seguindo apenas receitas prontas.
Técnicas de ação também estão relacionadas a segurança operacional: por exemplo, se decidir que o(s) dispositivo(s) incendiário(s) precisa de um pavio, é crítico que você esteja muito confiante que o pavio não vai falhar, já que deixaria evidências com as quais investigadores poderiam trabalhar. Teste atentamente a confiança no dispositivo sob as mesmas circunstâncias, e construa com redundâncias usando múltiplos pavios em cada dispositivo. Dependendo das circunstâncias e terreno, você talvez queira até fazer um plano para perceber se as chamas não começarem, como escolher uma rota de fuga que permita uma linha de visão e parar no caminho até que veja a luz das chamas.
Leituras recomendadas:
Conectando constelações
O próximo passo em desenvolver capacidade para ação exige ir além do seu próprio grupo. É aqui que as coisas realmente começam a ficar interessantes: coordenação entre grupos autônomos os permitem alcançar muito mais do que seriam capaz sozinhes, enquanto a autonomia ajuda a barrar hierarquias e centralização. É claro, conspirar com mais pessoas envolve risco e deve ser balanceado com a necessidade de compartimentalização — o princípio do saber-apenas-oque-se-precisa, pode ajudar bastante aqui.
Afinidade é a fundação mais sólida para um projeto comum entre estes grupos — enquanto afinidade dentro de um grupo é baseada em experiência interpessoal, afinidade entre grupos de ação é mais baseada em afinidade com o projeto do que uns com os outros. A busca por afinidade no longo prazo para além do seu grupo de ação é o que torna essa fundação possível. Organização informal pode então crescer entre grupos de ação, que é um modelo que têm sido experimentado desde os anos 70. Organizações informais nascem e são moldadas pela busca a objetivos específicos, como o bloqueio da construção de Cop City[2] através de sabotagem difusa. “Não temos um nome para defender ou promover, apenas um projeto para construir”.
Estes são o que considero os passos mínimos necessários para o desenvolvimento da capcaidade de ação, limitado ao tópico de aquisição de habilidades. É preiso muito mais — aprender habilidades além dessas básicas, desenvolver análises para o entendimento do terreno em constante mudança, estudar vulnerabilidades da dominação, e focando em todos os outros aspectos que contribuem para sustentar e intensificar ação.
Nota do No Trace Project: É claro que isso não é necessariamente real, nem todes têm as mesmas capacidades.
Nota do No Trace Project: “Cop City” é o nome de um projeto para construção de um centro de treinamento policial em Atlanta, EUA.